quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Comentário de Bruno Brum Paiva

Cantos, Rosas, Grilos, Cravos, Aranhas...
A roda da cantiga mergulha no imaginário. O ambiente é lúdico. A leveza da flauta substitui o aroma matutino. Os bichos estão soltos no olhar de cada instinto. Alguém chama, dá o tom, bota a engrenagem a funcionar e a pequena floresta alvorece lentamente. O vaga-lume belisca as plantas como se fosse um beija-flor. O grilo acorda, a aranha tece, o cravo se faz presente, a rosa exala. E o canto encanta o desfilar cântico de nossa infância. Todos se veem na construção daqueles valores um tanto inocentes e nem por isso ingênuos. Pais disfarçam ao cantarem para os filhos aquilo que cantam para si mesmos. Canto de Cravo e Rosa, o último trabalho de Viviane Juguero em temporada no Teatro de Câmara Túlio Piva, em Porto Alegre, coloca-nos no quintal de casa, uma casa povoada de palavras, versos, cantigas, medos, curiosidades e muita vontade de resolver um conflito. O fio da harmonia não quer ser rompido, menos pelo amor que pela amizade; talvez menos pela amizade que por uma ética profunda que trespassa a vida de todos os habitantes daquela comunidade, por mais diferente que seja o representante de cada espécie. Essa ética é a linguagem comum entre os seres, é o esperanto que permite a todos se entenderem e por fim se alimentarem no antagonismo qualificante de cada um.
Vi o Canto três vezes: na primeira eu era uma criança, inteira, despida. Mas faltava uma referência para entregar-me ao espetáculo. Então levei minha Mãe na segunda vez, e ela ficou mais criança do que eu - pois vivera mais verdadeiramente a força daquelas canções em sua meninice. Para dirimir as dúvidas e pulverizar outras na relação com essa trama voltei ontem ao cenário. E a sensação foi a da primeira vez, a da segunda e talvez de outras tantas que venha a assistir. Percebi que não estava sozinho quando debatemos o espetáculo numa livraria/café na Cidade Baixa, quando o pensamento seguiu emitindo vida após o nascer da Lua cheia, quando prosseguimos falando enquanto o Marujo beirava o Guaíba, quando despertei na manhã seguinte ainda plugado na linha melódica daquele trompete que nenhum outro aracnídeo sabe frasear. Que todos vejam, abram os olhos da alma, despertem e se sensibilizem com o Canto de Cravo e Rosa.

Bruno Brum Paiva

Postado no blog “Rumores da Ventania”, em 06 de setembro de 2009.

Bruno Brum Paiva. Fecundado em Tavares, nascido em Rio Grande, rodado no mundo e atualmente residindo em Porto Alegre. Teve participação nos livros ABERTAS GAVETAS (ed Alcance), 101 que Contam (ed Nova Prova), Poemas no ônibus (Secretaria Municipal de cultura de Porto Alegre, 2005) e Histórias de Trabalho (SMC de POA, 2003). Participou durante dezoito meses do projeto Saindo da Gaveta, oportunidade rica em discussão e produção de textos. Atualmente namora o embrionário projeto NOS LEMOS, cuja formatação sugere um trânsito com olhar amplo à dimensão da literatura brasileira e latino-americana.

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